UM PAÍS EM CHAMAS 

A DESTRUIÇÃO DA VIDA, DA NATUREZA, DA CULTURA E IDENTIDADE DO POVO BRASILEIRO

 

              INCENDIO NA CINEMATECA BRASILEIRA: SESSENTA ANOS DE HISTÓRIA DO CINEMA BRASILEIRO DESTRUÍDOS



        Assisto estarrecida e com imensa tristeza a destruição do patrimônio natural e cultural brasileiro que arde em chamas. Os que não conhecem a nossa História e o processo de luta pelo desenvolvimento brasileiro nem percebem o quanto tais acontecimentos correspondem ao contrário do projeto de desenvolvimento brasileiro proposto por Nelson Werneck Sodré e por sua geração intelectual. É como se eu estivesse presenciando o avesso de sua proposta ou o caminho inverso da luta pela independência nacional. Esta sistemática destruição não é gratuita e ocasional. A falta de cuidado, o menosprezo e a sistemática destruição da cultura nacional põem, entretanto, em evidência a relevância desta questão para o nosso desenvolvimento, como defendia Nelson Werneck Sodré.

 A maioria das pessoas talvez não perceba que estamos vivendo um momento de rebaixamento da inteligência, do nível de discernimento e de civilidade nas discussões em curso no espaço público. Implantou-se um sentimento de incapacidade dos brasileiros e de descrença nas nossas possibilidades. Este processo atinge visceralmente nossa identidade e nossa afirmação como nação. Assim sendo, é fundamental fazermos o esforço contrário para não perdermos a lucidez, caindo na ignorância, violência e desprezo humano. É preciso um enorme e continuado esforço para escapar do reino das mentiras e falsas informações, evitando alienar-nos e embrutecer-nos cada vez mais.

 Como forma de contribuir nesta direção, resolvi trazer à discussão alguns trechos retirados de um texto que publiquei no livro Desenvolvimento Brasileiro e Luta pela Cultura Nacional[1] a fim de partilhar com vocês uma reflexão para pensarmos nosso desenvolvimento com base nas análises de Nelson Werneck Sodré sobre a importância da cultura nacional.  Talvez pelo fato de ter vivido numa época em que havia um intenso debate a respeito das diversas alternativas para o desenvolvimento brasileiro, não posso deixar de me colocar questões sobre a atual ausência de uma discussão mais profunda em torno de tais projetos.

Nos anos sessenta, existiam forças políticas que queriam transformar o Brasil e defendiam um desenvolvimento articulado à luta pela cultura brasileira, pela soberania nacional, pela justiça social, pela emancipação do povo e pela democracia. Havia uma paixão pelo Brasil e pelo seu povo, uma inquietude intelectual com a situação social do país. Procurava-se, então, dar respostas e soluções para um desenvolvimento subordinado às necessidades sociais e nacionais. Os debates dessa época são interessantes, pois nos permitem clarificar a homogeneidade criada pela globalização e pela luta em torno do acesso aos bens de consumo. Pode o desenvolvimento ser reduzida à multiplicação das novidades tecnológicas? Os grandes benefícios da mundialização só podem ser obtidos na uniformidade e unificação da proposta de aumento do mercado de bens da atual globalização?

Para se refletir melhor a este respeito é importante ter uma perspectiva histórica e aprender as lições de uma época em que eram discutidos diferentes projetos de desenvolvimento para o Brasil. O problema do desenvolvimento do Brasil começou a despertar mais as atenções a partir da década de trinta, quando o país se industrializa, se transforma, ingressa na sociedade moderna, e aumenta a participação de diferentes forças sociais na cena política. Este tema passa a ser intensamente debatido, no Brasil, ao longo do período dos anos trinta aos anos sessenta.

Nesta fase de grande efervescência intelectual no campo da economia, da política e das artes, os debates sobre o desenvolvimento contribuem para alterar várias ideias, como as de nação, de povo, de valores e ideais sociais ou de formação e transformação da sociedade brasileira. Uma particularidade fundamental desta época foi o entrelaçamento entre cultura e política, propiciando a participação dos intelectuais de diversas formações e correntes de pensamento na vida pública e no processo de mudança da sociedade. Nelson Werneck Sodré representa um ícone desse tipo de intelectual e simboliza pessoalmente o que houve de melhor no entrelaçamento da vida cultural, política, civil e militar do país num mesmo espaço público de discussão e elaboração intelectual.

Num momento como o atual, em que predomina o imediatismo e a carência de valores, de ideais e de um consistente projeto de desenvolvimento nacional, ele pode ser visto como uma estrela que, embora tenha brilhado a alguns anos de distância de nossa época, continua a iluminar os rumos de nosso desenvolvimento. Sua obra reflete os grandes conflitos nacionais e internacionais, da segunda metade do século XX, tendo sido escrita em uma época em que foram elaborados vários enfoques sobre o desenvolvimento brasileiro. A partir da década de cinquenta, intensifica-se o debate em torno dos diversos tipos de projeto para o desenvolvimento do Brasil e surgem algumas propostas de alterações profundas da sociedade brasileira. Observa-se o despontar de um forte anseio nacionalista, um desejo de transformações e reformas e delineia-se a luta para incorporar os setores populares a um projeto de desenvolvimento nacional.

Nesse período, o tema do desenvolvimento do Brasil interessa à universidade e os intelectuais refletem a este respeito, existindo, ainda que dentro de certos limites, uma maior conexão entre instituições ou pessoas que elaboram as diferentes formas de pensamento e de reflexão e a sociedade. Nelson Werneck Sodré não apenas analisa as transformações sociais e delas participa, mas toda sua obra vibra aos acordes das mudanças em curso e das possibilidades que estas poderiam abrir para um futuro mais humano e igualitário para o povo brasileiro.

Sua formação de militar profundamente nacionalista o faz reagir à tentativa de fazer com que as forças armadas deixem de ser as guardiãs da democracia e passem a exercer diretamente o poder. Sua visão do desenvolvimento se enraíza, portanto, em uma luta política pela transformação do Brasil, à qual se entrelaça a luta pela cultura e a luta pela democracia. Sua escrita é como uma espada que combate tanto às tentativas de golpe como o que considera ser uma tentativa esquerdista de transformação social e política.

Nessa época, a discussão a respeito do projeto nacional de desenvolvimento encontrou no Instituto Superior de Estudos Brasileiro (ISEB), criado em 1955, dentro do Ministério da Educação, um espaço privilegiado de debate, do qual participou ativamente Nelson Werneck Sodré, como professor e diretor do Departamento de História desta instituição governamental. A heterogeneidade de pensamento era uma característica da composição inicial desse Instituto, que reuniu intelectuais de distintas orientações teóricas e ideológicas (nacionalistas, socialistas, liberais progressistas ou defensores do capital estrangeiro) para debater e refletir sobre os problemas da realidade brasileira, suas possíveis soluções e as intervenções políticas necessárias para o seu equacionamento. 

Tendo conseguido criar esse espaço inédito para a canalização da efervescência intelectual da época, o ISEB tornou-se também um símbolo do tipo de engajamento intelectual na vida política característico deste período da história brasileira. Esse tipo de intelectual tão bem encarnado na pessoa de Nelson Werneck Sodré criticava o alheamento dos intelectuais e cientistas em relação à realidade brasileira, procurando pensar o país a partir de suas próprias raízes. Os anos de maior produção intelectual de Nelson Werneck correspondem aos de sua intensa participação nessa instituição, na qual teve uma enorme produção intelectual totalmente voltada para a compreensão das particularidades brasileiras....

No início da década de setenta, a modernização capitalista gera o chamado “milagre econômico brasileiro”, que possibilita uma acumulação interna, sem a distribuição da renda e as mudanças das estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais do país, defendidas por Nelson Werneck Sodré e por outros intérpretes das propostas nacionalistas e populares. Assistimos, atualmente, o esgotamento desse modelo neoliberal, de cuja crítica Nelson Werneck Sodré foi um pioneiro, como demonstra seu livro, A Farsa do Neoliberalismo[2], editado pela primeira vez em 1995 com textos escritos desde o início de 1990...

Nelson Werneck Sodré escreveu sua obra justamente no período histórico em que muito se refletiu e discutiu sobre o desenvolvimento brasileiro, tendo sido este um tema central e polêmico em seus escritos. Ele teve o cuidado de distinguir sua visão do assunto, demarcando-a das teses desenvolvimentista, que estavam muito em voga em sua época, mas subordinavam nosso desenvolvimento às propostas do capitalismo internacional que conduziram ao neoliberalismo e à globalização.

Com base em uma extensa e profunda análise da História do Brasil e da realidade social de sua época, Nelson Werneck Sodré enfrentou o debate com essas correntes e discutiu sobre as diversas alternativas para o desenvolvimento brasileiro, defendendo um enfoque do desenvolvimento articulado à luta pela cultura brasileira, pela soberania nacional, pela justiça social, pela emancipação do povo e pela democracia. Apaixonado pelo Brasil e pelo seu povo, ele manifestou sua inquietude intelectual com a situação social do país, procurando dar respostas e soluções ao sofrimento de um povo que nunca deixou de escutar. 

Atento aos sucessivos embates nas diferentes trincheiras da vida cultural e política do Brasil, ele pensava nosso desenvolvimento levando em conta nossa formação cultural, subordinando esse desenvolvimento às necessidades sociais e nacionais e não aos interesses de uma minoria ou do capitalismo internacional. Sua perspectiva a este respeito se enraíza em temas que continuam em pauta, abrindo o horizonte da discussão sobre o desenvolvimento para uma transformação do Brasil com base na ampliação da democracia e no fortalecimento da cultura nacional...

Ele leva em conta as características particulares de nossa formação social, procurando estudar o processo histórico para poder melhor determinar as condições concretas desse desenvolvimento, em sua etapa capitalista com base na realidade social brasileira. Estudando este processo desde o descobrimento, quando o feudalismo já declinava na Europa e tomava impulso o capitalismo comercial[3], Nelson Werneck Sodré pode destacar como traço fundamental desse desenvolvimento seu caráter desigual, marcado pela convivência de áreas territoriais que vivem modos de produção e realidades sociais pertencendo a diferentes etapas...

A contemporaneidade de três regimes– feudalismo, escravismo, capitalismo –, que concorreram para estruturar a maior empresa comercial daquela época, apresenta-se, desde logo, como uma das mais complexas singularidades que a História conheceu e se prolonga no tempo através de uma sociedade em que os limites entre os três regimes ficam imprecisos e conservam essa imprecisão através dos séculos, com muitos resquícios até os nossos dias.

O esforço para a apropriação de uma cultura política, artística e literária gerada no estrangeiro produziu, desde o início de nossa formação até hoje, sérios problemas de adaptação cultural a nossa realidade e de alienação. Nelson Werneck Sodré mostra, então, que o grande problema dos países de passado colonial consiste em criar uma economia, uma política e uma cultura nacionais. Considera que quaisquer que sejam os altos índices de desenvolvimento – e altos índices foram também produzidos pela economia açucareira ou mineradora colonial - uma sociedade pode apresentar características de alienação e de subordinação colonial, necessitando uma ruptura mais profunda com o passado colonial para estabelecer novos e próprios fundamentos. Salienta que para isto é preciso criar uma política nacional intimamente ligada à existência e funcionamento de uma estrutura democrática. Da mesma maneira, a criação e preservação de uma cultura nacional dependem, também, do sistema democrático, da liberdade de pensamento, de expressão e de comunicação...

A república é a forma política que assume o processo de avanço das relações capitalistas, no Brasil, entre as quais se destaca a criação e ampliação do mercado de trabalho. O movimento político brasileiro de 1930 leva à derrocada da dominação política exclusiva das velhas oligarquias que sustentavam a dominação feudal e semifeudal, em nosso país e possibilita novo avanço no desenvolvimento capitalista brasileiro, embora essas oligarquias continuem ainda presentes e atuantes em nosso cenário político.

Assim sendo, a partir da década de trinta, a transformação capitalista está definida e prossegue sua marcha, mantendo o latifúndio e a dependência ao capitalismo internacional com participação ativa e decisiva das multinacionais. A chamada era Vargas correspondeu a um período de tempestuoso crescimento das relações capitalistas, no Brasil, desembocando num período de grande afirmação da questão do desenvolvimentismo, na época do presidente Juscelino Kubitscheck, no qual se acentua a colaboração com o capital estrangeiro.  

O populismo foi a forma política que a burguesia nacional encontrou para fazer avançar o processo capitalista brasileiro com o apoio das camadas populares. A bandeira do desenvolvimento foi outra estratégia da burguesia e de seus políticos para se apresentarem aos seus eleitores. Em A Farsa do Neoliberalismo, Nelson Werneck Sodré prossegue este estudo e analisa a etapa mais recente do desenvolvimento capitalista, da década de cinquenta até a década de noventa, quarenta anos após o período de efervescência da discussão sobre o desenvolvimentismo, introduzindo uma perspectiva crítica sobre o novo modelo capitalista, o neoliberalismo, que estava, então, em seu apogeu.

Nesse livro, publicado em 1995, Nelson Werneck Sodré retoma a discussão sobre a teoria do desenvolvimento, considerando que os problemas discutidos, na época da publicação, continuam os mesmos da década de cinquenta, predominando ainda a oposição entre duas concepções opostas sobre o desenvolvimento brasileiro. De um lado, os que desejam o desenvolvimento à base do capital estrangeiro e definem o desenvolvimento pela realização de determinados índices numéricos de crescimento, como na época do Plano de Metas de Kubitscheck. De outro lado, os que continuam a defender o capital nacional e se preocupam em atender as necessidades do povo e atingir a solução de seus problemas concretos: fome, trabalho, saúde, moradia, etc. Com base em seu estudo anterior do processo histórico de desenvolvimento brasileiro, ele caracteriza a economia brasileira, mesmo após o término da época colonial e ainda na atual etapa do desenvolvimento capitalista, como uma economia dependente. Esta dependência é marcada por uma luta para aumentar a parcela da acumulação do capital que se processa no interior, embora continue a funcionar o fluxo da acumulação para o exterior[4].

Nelson Werneck Sodré descreve e critica o modo como se implanta, no Brasil, a ideia da globalização e de um mundo unificado sob a supremacia absoluta do mercado e das normas capitalistas regidas pelas nações mais desenvolvidas, sob a bandeira do neoliberalismo. Conceitos como o de nação, povo e soberania são postos em causa. O neoliberalismo defende o desmantelamento do estado, nega a importância do mercado interno como base de nosso desenvolvimento e propõe o máximo de abertura de nosso mercado a bens, serviços e capitais estrangeiros, opondo esta concepção considerada como moderna a qualquer forma de nacionalismo. Nelson Werneck Sodré considera falsa a ideia que nosso desenvolvimento depende do comércio exterior, e a negação do mercado interno como motor fundamental de nosso desenvolvimento, analisando as várias formas de exploração que acompanha esta concepção: a troca desigual e a exploração pelos investimentos, pelos empréstimos e pela dívida externa.

Estudando as bases do neoliberalismo, denuncia o acordo financeiro internacional que impôs o dólar como medida de valor, a cruzada contra as estatais e a ofensiva privatizante, a situação da dívida externa brasileira, o desequilíbrio estrutural da economia americana, o mito do mercado e da modernidade, a internacionalização da economia e o controle da mídia. Nelson Werneck Sodré termina seu livro analisando o enorme avanço do desenvolvimento brasileiro, no final do século XX e a exclusão do povo de seus benefícios, mostrando o Brasil como grande exportador de calçados e de alimentos em um país onde grande parte do povo anda descalça e passa fome. Todos estes são temas que continuam em pauta e que foram colocados de forma pioneira pelo autor, num momento anterior à atual crise mundial. Seu ponto de vista sobre o desenvolvimento parte dessa análise crítica da exclusão do povo, da dependência e da alienação que domina nossa vida cultural, propondo uma visão mais ampla e integral do desenvolvimento brasileiro.

Nelson Werneck Sodré não separa o estudo do desenvolvimento brasileiro do estudo das condições históricas e culturais do país, defendendo a ideia que os projetos de desenvolvimento devem respeitar nossas particularidades nacionais. Ao estudar historicamente nosso desenvolvimento, ele mostra sua origem numa grande empresa econômica, social e política transplantada para o território colonial. Da mesma maneira, a cultura brasileira foi inicialmente importada ou transplantada, sendo desde sua origem marcada pela alienação em relação às condições de vida locais. 

Tendo analisado esta questão em seu livro Síntese de História da Cultura Brasileira[5], nele o autor defende, portanto, a ideia da fundamental importância para o desenvolvimento brasileiro de uma cultura nacional que reflita a maneira de viver do povo brasileiro. Com base na análise do amplo e profundo processo de transplantação, ele pode, então, valorizar o surgimento dessa cultura propriamente nacional, na terceira etapa do nosso desenvolvimento cultural[6], indicando como a formação desta etapa acompanha o alastramento das relações capitalistas em nosso país, cujo marco fundamental é a Revolução de 1930 e a ascensão da burguesia ao poder...

O traço essencial da etapa histórica que se inicia em 1930 é a aceleração do desenvolvimento e a intensa transformação social do Brasil. O autor distingue duas fases deste período: a que vai até 1945, marcada por grande efervescência política e por uma luta ideológica intensa; e a fase posterior à Grande Guerra, após 1945, cuja característica mais evidente é a da formação de uma cultura de massas, na qual os gostos, preferências, hábitos, valores, ideias, atitudes e comportamentos são condicionados pelos meios de comunicação.

O desenvolvimento dessa cultura de massas é analisado, nas seguintes áreas artísticas e intelectuais: cinema, rádio, televisão, música, teatro, artes plásticas, universidade, imprensa e livro. Esta análise lhe permite concluir que o problema inicial da cultura brasileira é o da retomada da liberdade de pensamento e expressão, sem a qual não há condições de desenvolvimento cultural autêntico. Desde que esse problema tenha o mínimo de condições de ser colocado, é preciso enfrentar o problema da descaracterização de nossa cultura, defendendo e preservando a cultura nacional, na receptividade do que as demais culturas elaboraram de válido. O terceiro problema a ser enfrentado é o do uso dos meios de comunicação de massa e do controle estatal.

As transformações assim descritas por Nelson Werneck Sodré conduzem a uma profunda mudança da sociedade brasileira. O processo de industrialização do país e o crescimento da população urbana tornam nossa sociedade mais complexa e diversificada. Acompanhando esse processo, ocorre o avanço da legislação trabalhista, o fortalecimento dos sindicatos, dos partidos políticos e dos movimentos sociais. Esse quadro de mudanças sociais favorece a mobilização e radicalização em torno de propostas nacionalistas, que, nos anos sessenta, tomam a forma das chamadas reformas de base. A luta de Nelson Werneck Sodré pelo desenvolvimento se intensifica na década de cinquenta/ sessenta, tomando frequentemente a forma de luta pela cultura[7], como mostra em seu livro que tem este título. Ao fazer o relato dessas lutas, no livro acima citado, o autor traça um interessante quadro da dinâmica do desenvolvimento brasileiro, ressaltando a importância do trabalho intelectual e cultural dentro desse processo...

Nelson Werneck Sodré opunha-se à proposta de desenvolvimento do governo do Presidente Kubitschek, considerando que seu Programa de Metas mostrava que ele apenas pretendia acelerar o ritmo de crescimento econômico, sem tocar na estrutura, de sorte a alcançar determinados níveis meramente quantitativos, particularmente pelo ingresso maciço de capitais estrangeiros. Considerando que esses níveis – ou metas – não passavam de índices de crescimento ou medida dos diversos setores da produção, concluía que, em essência, tratava-se apenas de acelerar o crescimento da economia brasileira pela generalização e aprofundamento das relações capitalistas, segundo um projeto que conciliava essa aceleração com os interesses internacionais e mantinha a estrutura agrária.

Assim sendo, ocorreu que, ao começar a ser posto em prática, o Plano de Metas provocou uma inevitável cisão no cenário político: de um lado ficaram os partidários do desenvolvimento proposto pelo governo que abria o caminho para o que viria a ser a globalização; enquanto que, do outro lado, ficaram os partidários do desenvolvimento nacionalista e com base numa outra visão da mundialização... Nos anos sessenta, a intensa atividade intelectual em torno do ISEB impregnou a esfera cultural, difundindo uma forma de pensamento e de cultura marcada pela defesa do nacional e do popular. Naturalmente, muitas transformações internacionais e nacionais ocorreram desde a época das propostas de desenvolvimento apresentadas por Nelson Werneck Sodré, mas o núcleo central delas com base na articulação entre desenvolvimento social, cultura e identidade nacional continua sendo um ponto de partida fundamental para repensarmos o nosso desenvolvimento.


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[1] Este livro publicado pela Editora Paco em 2019 reúne trechos de livros de Nelson Werneck Sodré sobre o desenvolvimento brasileiro e sua relação com a luta pela cultura nacional.

[2] Nelson Werneck Sodré, A Farsa do Neoliberalismo, Rio de Janeiro, Graphia,1995.

 [3] Alguns autores marxistas definem este início de nosso desenvolvimento já como capitalista. Nelson Werneck Sodré não aceita, contudo, esta tese, argumentando que nosso modo de produção inicial não poderia ser capitalista, quando o modo de produção capitalista não havia ainda predominado na Europa.

[4] Essa dependência se manifesta pela subordinação do desenvolvimento brasileiro a investimentos e empréstimos estrangeiros, que estabelecem o domínio e controle da nossa economia.

[5] Nelson Werneck Sodré, Síntese de História da Cultura Brasileira, Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2003, 20º Ed.

[6] O conceito de cultura transplantada se refere ao fato de a cultura brasileira ter sido trazida do exterior tanto pelos senhores como pelos escravos, no processo da colonização do Brasil. Desde seu início histórico a cultura brasileira foi, portanto, uma cultura transplantada, mas ela se desenvolveu em três etapas: a da cultura colonial, a da cultura de transição e a cultura nacional.

[7] Esta luta implicou o ônus da perda de cargos, de exclusão ou exílio dos centros culturais, de prisão e perda dos direitos políticos. Essa luta correspondeu sempre a uma sobrecarga de trabalho pela intensa participação em várias atividades culturais, em particular em revistas e grandes jornais da época, como a Última Hora e o Correio Paulistano, e em outros meios culturais, como a Associação Brasileira de Escritores (ABDE).

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