13. UMA REFLEXÃO SOBRE GOLPE E DITADURA
UMA REFLEXÃO SOBRE GOLPE E DITADURA
- ENTREVISTA COM NELSON WERNECK SODRÉ –
IMAGEM DO FÔLDER DO DOCUMENTÁRIO ‘LEMBRAI-VOS DE 37”
Fonte: UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Em 4 de setembro de 2020, Antônio Serra, professor aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF), me enviou mensagem, na qual relata seu encontro com Nelson Werneck Sodré em meados dos anos oitenta:
“Quando, em 1986-7, pela UFF, estávamos
participando da produção do documentário "Lembrai-vos de 37",
sobre o Estado Novo, seus antecedentes e consequências, obtivemos do
mestre Nelson Werneck Sodré depoimento precioso, colhido em
sua casa. Chamou-me a atenção a exposição metódica, meticulosa e abrangente que
ele fez desse período tão importante e contraditório de nossa história. Porém,
mais que tudo, a postura simples, modesta, sem qualquer enfatuamento ou
autorreferência que uma personalidade tão famosa e respeitada como ele poderia
dar-se ao luxo de assumir. Mas, pessoalmente, o primeiro registro de NWS foi
durante o preparatório de vestibular para direito, lendo, encantando-me e
absorvendo seu valioso Formação Histórica do Brasil.”
Antônio Serra autorizou a publicação deste seu
comentário e da entrevista com Nelson Werneck Sodré para o
documentário audiovisual "Lembrai-vos de 37” sobre o período do
Estado Novo (1937-1945) no Brasil e seus antecedentes. Destacou ter sido uma realização
do Núcleo Audiovisual da UFF e do Departamento de Ciência Política da UFF
- Universidade Federal Fluminense, em 1987-1988 com direção de Wilson
Paraná e roteiro de Maria Antonieta Leopoldi, Eduardo Gomes e Wilson Paraná.
O texto da entrevista é extremamente esclarecedor
para a compreensão do contexto do golpe que implantou a ditadura de Getúlio
Vargas. É um documento valioso pela descrição acurada das forças nacionais –
civis e militares – e internacionais em ação para a configuração do cenário da
ditadura. Reproduzo, a seguir, a entrevista tal como me foi enviada, inclusive
com a indicação dos cortes para a filmagem:
uff – universidade
federal fluminense
iacs – instituto de
arte & comunicação social
nav – núcleo audiovisual
“Lembrai-vos de 37”
Documentário
audiovisual sobre os antecedentes, os desdobramentos e as consequências do
Estado Novo no Brasil.
Diretor: Wilson
Paraná - Roteiro: Profs. Maria Antonieta
Leopoldi e Eduardo Gomes
Realização UFF –
1986-1987
Depoimento do
historiador Nelson Werneck Sodré
ENTREVISTADOR – Quais foram as causas do golpe de 37, na sua opinião?
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – As causas foram
múltiplas e muito complexas, é preciso considerar, em primeiro lugar, que os
anos 30 são os anos da ascensão nazista e fascista no mundo. Havia já regimes
ditatoriais como o de Mussolini e o de Salazar que eram vigentes, mas o grande
acontecimento é a ascensão de Hitler. A ascensão de Hitler em 33, na Alemanha,
marca o compasso vertiginoso do domínio fascista e nazista em todo o mundo.
Alastram-se ditaduras por todo mundo ocidental e cristão, e também oriental. De
modo que isso traz, na América Latina, grandes reflexos também. Há outras
causas, esse é o quadro externo, porque há causas internas também,
evidentemente. Havia uma grande agitação no país, agitação que vinha desde o
movimento de 1930, vitorioso. Movimento armado vitorioso pela primeira vez na
história brasileira e que chega ao poder. Mas, o regime estava se deteriorando.
O governo vinha encontrando inúmeras dificuldades, que culminaram em 1935, em
novembro de 35, com a chamada Intentona. A Intentona assinala o início de uma
repressão política violentíssima. Quer dizer, a partir daí aquele clima liberal
que tinha surgido com o movimento de 1930 começa a retroceder, e dá lugar a um
regime de repressão violenta, de censura, de obscurantismo, de capitulação das
forças democráticas, de capitulação do Congresso inclusive, que cedia às
pressões do governo e das forças reacionárias fazendo todas as leis que lhe
eram pedidas. As leis de exceção criando um ambiente de prelúdio de ditadura.
Mas, havia graves crises políticas, não só gerais, como regionais.
CORTE EM 2 MIN E 30
SEG
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – Havia os problemas
internos, crises gravíssimas, o governo encontrava resistências muito grandes,
e havia também uma turbulência alastrada por todo o país. O movimento popular
era muito forte, as manifestações eram muito violentas. Havia tudo aquilo que a
reação batiza de agitação. E, evidentemente, começa a surgir uma forma de
reação a tudo isso, que é o anticomunismo. Através do anticomunismo importado
pelo avanço fascista e nazista no mundo, o governo começa a tomar as medidas de
repressão, e o Congresso vai concedendo todas as medidas, todas as leis
necessárias, armando o governo para que ele concentre os poderes. Mas, apesar
disso, havia resistências grandes, porque o governo do Rio Grande do Sul,
exercido por Flores da Cunha, detinha também um pequeno poder militar, com a
Brigada Militar do Rio Grande. Flores da Cunha recrutou os grupos armados,
chamados “Os provisórios”. Então, montou seu exército particular. Naquele tempo
os exércitos estaduais eram forças ponderáveis. Então, era preciso introduzir
um fator central poderoso, que era a Força Armada, Exército e Marinha, no caso.
E realmente desencadeia-se uma crise que se aprofunda até o momento em que o
governo exercido por Vargas, e os chefes militares, com Dutra e Góes Monteiro à
frente, se articulam para barrar o regime dito democrático, que já não era mais
democrático, e instituir um regime de força declarada, que seria chamado Estado
Novo.
ENTREVISTADOR – E como foi desencadeado o dia a dia...?
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – O desencadeamento foi
relativamente fácil. Não houve resistências. A preparação era mais ou menos
ostensiva. O que perturba o quadro é que havia uma campanha de sucessão
presidencial em andamento, com dois candidatos. O Armando Sales de Oliveira,
representando as forças de São Paulo, e o José Américo, que representava, mais
ou menos, as forças do Nordeste. José Américo tinha uma composição mais popular
do que Armando Sales, então era uma luta muito renhida e, como todo processo
eleitoral brasileiro, começou a descambar para a agitação, aquilo que chamam de
agitação, que é o livre jogo das ideias no fim das contas. É a controvérsia, é
a polêmica, é o contraste de correntes de opiniões. Então, era preciso barrar
isso, era preciso deter o processo de sucessão presidencial, resolver o
problema do Rio Grande do Sul, e tapar tudo isso com uma grande encenação que
era o comunismo. Foi isso que permitiu a montagem de uma articulação militar.
Então, era um golpe militar exercido por um civil, que era Getúlio Vargas. Ele
teve a habilidade de capitanear o golpe militar e preservar o seu poder, quer
dizer, a sua presença no poder. Mas, foi um regime militar que foi instituído
no país. O grande condestável do regime foi o Ministro da Guerra de então,
General Dutra.
ENTREVISTADOR – Qual seriam as grandes consequências do golpe para o homem
comum, o povo brasileiro?
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – Para o homem comum,
para os trabalhadores as consequências não foram muito grandes, porque Vargas
era um político muito hábil. Foi o maior líder, o maior dirigente que a
burguesia brasileira já produziu, e não produziu nenhum sucedâneo. Ele,
evidentemente, tinha uma habilidade extraordinária para o trato do problema
político, e começou a fazer a política que depois alguns sociólogos batizaram
de populismo, quer dizer, apesar do regime ser um regime discricionário, de
censura, de repressão violenta às manifestações políticas, fechamento do
Congresso, fechamento dos partidos políticos, censura à imprensa, a todos os
meios de comunicação, Vargas se comunicava com o trabalhador. São os célebres
comícios dele no estádio do Vasco da Gama, que era o grande estádio do tempo,
onde ele fazia aquele célebre discurso: “...trabalhadores do Brasil...”. E
criou a legislação, legislação que ele imitou do corporativismo italiano, que
existe até hoje, regulando o trabalhismo brasileiro, é o corporativismo. Toda a
nossa legislação é dessa época. Então, ele adquiriu prestígio. O fato é que o
ditador tinha prestígio, e através da campanha anticomunista, o governo tinha
prestígio, o regime conseguiu isolar as forças democráticas, e teve uma ampla
base política. Teve uma base de consenso, não de entusiasmo, mas de consenso.
Não houve oposição. O governo encarregou Francisco Negrão de Lima de percorrer
os Estados, avisando os governadores dos Estados que ia ser dado o golpe.
Encarregou Francisco Campos de elaborar uma Constituição nova, que Francisco
Campos copiou da Constituição polaca, por isso a Constituição ficou conhecida como
polaquinha, e, no dia 10 de novembro de 37, as tropas ocuparam, sem grande
estardalhaço, sem grande aparato, ocuparam o Congresso, ocuparam o Senado.
Fecharam o Congresso. Estabeleceram a censura, e Vargas à noite, pelo rádio, no
A Hora do Brasil, programa já celebrizado, ele deu a sua palavra de ordem e
mandou ler a sua Constituição. Mandou ler a polaquinha. E todo mundo abaixou a
cabeça, e no outro dia foi um dia como todos os outros.
ENTREVISTADOR – O Estado Novo trouxe alguma consequência para a sociedade
brasileira?
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – Para a sociedade
brasileira as consequências foram uma grande restrição à liberdade, condições
de trabalho mais duras, porque as reivindicações trabalhistas eram difíceis de
serem formuladas, e muito mais difíceis de serem disputadas, mas impulsionou
consideravelmente a expansão das relações capitalistas no Brasil. O Estado Novo
foi próspero. Realmente, depois de 30, o Brasil entrou numa fase de
recuperação. Tinha havido a crise de 1929 que arrasou a economia do mundo
ocidental, e ecoou na América Latina toda, e no Brasil. Mas, o Brasil, através
do aproveitamento dos recursos internos, conseguiu sair da crise antes que os
Estados Unidos, antes que todos os outros países, os ditos desenvolvidos.
Naquele tempo não se usava essa nomenclatura, de subdesenvolvido, desenvolvido.
Mas, o fato é que, o Brasil, a sua economia, se recuperou antes, se recuperou
aceleradamente. Acelerou a recuperação por uma grande transferência de capitais
da área agrícola para a área industrial. Há essa passagem. Então, há um
desenvolvimento enorme das relações capitalistas, em que, realmente, a
indústria mostra as suas relações capitalistas na sua plenitude. Então, o
Brasil dá um passo à frente no avanço capitalista. Consolida o seu regime capitalista
que tinha dado os primeiros passos com a primeira Guerra europeia e, depois,
com o movimento de 1930. Então, o Estado Novo foi próspero. Quando ele entrou
em crise, aí houve a guerra, a grande guerra em 39, o Estado Novo é de 37, e
começou a declinar a prosperidade do Estado Novo. Mas, aí é outra história.
Então, ele tinha prosperidade, não estava em crise, não havia crise no Brasil,
o governo teve condições, inclusive, de obter o amplo apoio das chamadas
classes conservadoras.
ENTREVISTADOR – Qual foi o papel das Forças Armadas?
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – Nós precisamos
lembrar o clima que se criou no país desde a chamada Intentona. Foi um clima de
alta repressão, violentíssima repressão, levantando o fantasma do comunismo.
Então, o anticomunismo se tornou a ideologia. Era a ideologia que passou a ser
a viga mestra do processo político, assustando terrivelmente não só a
burguesia, mas a classe média. Essa foi sendo domada, anestesiada pelo
anticomunismo. E as Forças Armadas, intensamente trabalhadas pelo
anticomunismo. Erigidas em salvadoras do regime, salvadoras do país. Deus,
pátria, família, e tudo mais que era possível ser salvo. Então, tudo isso cria
um clima, de sorte que o golpe em si, o ato de 10 de novembro de 1937, decorre
mansamente, tranquilamente, sem resistência. As resistências foram anteriores.
Esboçadas anteriormente porque havia um processo de sucessão presidencial,
então havia discursos políticos, havia discursos na Câmara, no Senado.
Vislumbrava-se o golpe e começava-se a esboçar a resistência, mas era uma
resistência oral. Mas, havia também uma tendência para o golpe, para o consenso
de que se estabelecesse o regime de força. Esse consenso vinha da alta
burguesia alarmada pelo anticomunismo, da classe média alarmada, e também das
Forças Armadas alarmadas pela ameaça do comunismo no mundo. Então, era um mundo
em que a religião era o anticomunismo, e Hitler o seu profeta. Então, havia
aqui os seus apóstolos. E esses criaram um clima tremendamente opressivo, que
anestesiou todas as resistências, e o golpe realizou-se mansamente. Agora, o
papel das forças armadas. Anestesiadas e embaladas no anticomunismo, elas
queriam acabar com a agitação. Eles chamam agitação, sempre chamam. Qualquer
controvérsia, a luta das ideias, o choque das opiniões, é agitação. Então,
querem a paz. Porque ninguém mais pacifista do que militar. Ele quer a
tranquilidade. Então, eles dão o suporte para que se instale o Estado Novo e
tornam-se a base do Estado Novo. Não havia base política, não havia partidos organizados.
Os Estados receberam intervenção. Eles foram nomeados, os interventores. Os
congressistas, postos em disponibilidade, Vargas os nomeou para presidentes de
autarquias, deu empregos à maior parte deles. Então, houve um consentimento
generalizado. Evidentemente, algumas figuras que ficam insatisfeitas, mas
também não tem significação. O regime se instala tranquilamente, e passa a
instalar também a repressão de uma forma muito mais sistemática, porque não
precisa pedir ao Congresso leis de exceção. Ele já é de exceção. Estabelece-se
uma Constituição que nunca foi respeitada, nem precisava ser, a polaquinha, que
era uma constituição de uma ditadura, a ditadura polonesa do Marechal
Pilsudski, quer dizer, pertencente ao cordão sanitário estabelecido em torno da
União Soviética, então era um regime de força, significativa e confessadamente
de força, mas teve, realmente, um apoio generalizado. Apoio em diversas
classes, inclusive em parcelas da classe trabalhadora. Teve apoio dos
intelectuais, o Estado Novo gozou da simpatia de grande parte dos intelectuais.
Não era como esse regime de 64, que recrutou apenas o terceiro time da
intelectualidade. Não. Getúlio recrutou grande parte da intelectualidade com
ele. Fundou revistas e estabeleceu a sua doutrinação, a sua catequese. Quis
criar uma ideologia própria dentro do anticomunismo, mas uma ideologia própria,
de base nacionalista. O Estado Novo foi nacionalista. Então, ele rompe com a
submissão e a pressão externa. Como? Deixando de financiar a dívida externa. Então,
tem um ato de soberania. É consertado com o credor, não é um ato, assim, de
confrontação com o credor. Como os credores estavam também em grande
dificuldade, porque havia crise desencadeada em 1929, há uma composição com os
credores, cessa o serviço da dívida. E, realmente, o Estado Novo, nesse ponto,
procedeu bem, e estava na sequência da prosperidade do país.
ENTREVISTADOR – Como a guerra se abateu sobre o Estado Novo?
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – A guerra trouxe o
primeiro impasse, porque do ponto de vista do comércio externo, o Brasil tinha
estabelecido com a Alemanha hitlerista uma troca comercial de alto vulto. A
base do algodão. Porque a crise de 1929, no Brasil, foi particularmente uma
crise do comércio exterior, da economia de exportação, que era basicamente o
café. Ora, o café entra em crise, e essa economia de exportação entra em crise.
O café é substituído pelo algodão, é uma dessas passagens interessantes da
economia brasileira, é que toda a infraestrutura cafeeira, ferrovias, rodovias,
meios de transportes, terras, força de trabalho, que serviam ao café, passam a
servir ao algodão, e a produção brasileira de algodão cresce consideravelmente.
Há momentos em que o valor da exportação algodoeira é idêntico ao valor da
exportação cafeeira, que tinha, até então, sido absolutamente dominante. Mas, o
café permitia relações muito amigáveis com os Estados Unidos, grande mercado
consumidor, mas o algodão não. Eles também produziam e exportavam o algodão, e
tinham criado restrições à exportação de algodão para o Japão e para a
Alemanha. Nós entramos nessa brecha, com o algodão brasileiro que cresceu
enormemente na exportação, no comércio exterior, e permitiu ao Brasil,
inclusive outro traço dentro da prosperidade, importar aquilo que não poderia
exportar à base do café, quer dizer, obteve, não divisas, mas o comércio de
compensação com a Alemanha nazista, quer dizer, troca de mercadoria por
mercadoria. Então, nós passamos a comprar na Alemanha grande parte daquilo que
necessitávamos, inclusive para o reaparelhamento industrial, e até armamento.
Nós começamos a receber o armamento da Alemanha. Ora, a guerra interrompe isso,
porque bloqueia o comércio. Então, cria uma situação nova. Nós temos que voltar
a gravitar em torno dos Estados Unidos. Então, os pruridos de emancipação em
relação à dominação americana desaparecem. E, tendo o regime aqui copiado o
regime alemão, o regime italiano, cria-se uma antinomia. O regime aqui era
semelhante ao de lá, mas ao mesmo tempo o Brasil não podia deixar de ser aliado
dos Estados Unidos. Isso é um processo, que começa em 1939 quando se deflagra a
guerra, e vai se agravar até o momento em que os Estados Unidos entra na
guerra. Aí, então, o Brasil é francamente dependente dos americanos e
reestabelece a dominação americana sobre a economia brasileira, e sobre o
comércio exterior. Aí se cria para o Estado Novo uma crise, ele começa a
demonstrar, não só por condições internas, dificuldades na sua produção
industrial, dificuldades genéricas aqui, inclusive reivindicações operárias.
Começa a se deteriorar o regime. Deteriora-se e é permitido combater o Estado
Novo porque se combatia o regime nazista e o regime fascista. Então, a imprensa
combatia muito o nazismo e o fascismo para disfarçar o combate ao governo
brasileiro, ao regime brasileiro. Essa contradição vai culminar com o envio da
Força Expedicionária Brasileira para combater na Itália. Evidentemente, isto
assinala o princípio do fim do Estado Novo. Ele se deteriorou a um ponto tal,
que o fim se aproxima. Criar a passagem para um regime dito democrático, ou de
reestabelecimento de condições normais, será o problema do final do Estado Novo
e do Governo Vargas.
CORTE EM 20 MIN E 33
SEG
ENTREVISTADOR – De tudo o que o senhor está falando, o que me chama a
atenção é qual seria a razão para tamanha repressão, quer dizer, a repressão
policial, de prisão, depois toda a tentativa... quer dizer, se as
resistências...
CORTE EM 20 MIN E 55
SEG
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – Bom, o fato de não
ter havido resistências parece que não joga com a repressão. Na realidade, a
repressão não foi uma repressão generalizada. Desde que instalado o Estado
Novo, o governo de Vargas tratou de reduzir os possíveis resistentes, ou
dissidentes, à insignificância, à impossibilidade de exercer qualquer ação
contra o regime. Os dois governadores, o da Bahia e o de Pernambuco, que não
concordaram são substituídos. O Ministro Odilon Braga, que foi o único elemento
do Ministério que não concordou, foi substituído. O governador do Rio Grande do
Sul bandeou-se para o Uruguai. Era o grande obstáculo ao regime, por condições
locais, não por condições políticas. E aqueles elementos mais notórios por
condições ideológicas foram presos, perseguidos, tirados de qualquer possibilidade
de resistência, e alguns foram torturados. A repressão se exerceu, se
centralizou nesses elementos que eram os comunistas, a base do anticomunismo.
Não foi uma repressão generalizada, como em 64. Em 64 eles expurgaram de todas
as áreas, todos aqueles que poderiam se contrapor ao regime instalado, da
ditadura instalada. Não foi o caso em 37, inclusive houve consenso. O golpe de
37 teve um apoio político generalizado, ele contou com uma base política ampla.
Através do anticomunismo, através do medo da agitação. Então, a repressão foi
proporcional às resistências, resistências pequenas. Repressão centralizada
apenas em determinados elementos, particularmente na área comunista. O Partido
Comunista, que era pequeno, já esfacelado em 35, praticamente não existia.
Estava sem organização. Então, pegar uma meia dúzia que eram ditos como
comunistas. Mas, numericamente, os atingidos foram em número reduzido.
ENTREVISTADOR – Como é que você viu isso tudo na época?
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – Bom, eu não tinha muita
coisa na cabeça, mas, evidentemente, eu era refratário ao Estado Novo. O meu
chefe era refratário ao Estado Novo. Mas, nós saímos. Fomos chutados para o
Mato Grosso. Lá permanecemos por, mais ou menos, um ano. Mas, eu não tinha uma
ideologia formada na minha cabeça. Eu não era o homem que sou hoje. Eu não
nasci o que sou hoje. Fui me formando pouco a pouco. Então, eu também não me
contrapunha ao Estado Novo, de nenhuma maneira. Eu não tinha essa aversão ao
Estado Novo, que tive pelo regime de 64. Em 64 eu era outra pessoa, tinha
ideias na cabeça, sabia que isso ia levar o país a desgraça. O Estado Novo eu
era indiferente. Estava entregue aos meus afazeres profissionais. Eu gozava os
fracassos do Estado Novo. O Aporelly, que era um humorista da época, disse: “O
Estado Novo é o Estado a que chegamos”, que era um Estado terrível no fim, em
39. A mim não me tocava isso de perto. Eu estava por fora, como se diz.
ENTREVISTADOR – Em relação a isso, aprofundando esse aspecto da vivencia
pessoal, como foi dentro dessa formação, a descoberta desses aspectos, das
questões ideológicas, a formação como historiador, inclusive como testemunha e
estudioso desse processo?
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – Isso é uma história
longa. A história individual é sempre uma história complicada, que atravessa
muitas etapas, e acompanha a vida do país, e as etapas que o país vai
atravessando. Então, a gente aprende por experiência. Aprende nos livros, e
aprende na vida prática. O Gorki dizia: “...é mais fácil estudar na vida, do
que estudar nos livros”. A vida ensina mais. Então, eu fui vendo que aquilo era
uma coisa terrível. O nazismo, o fascismo, usavam processos repugnantes,
inclusive as violências. Eu era infenso a isso, como intelectual, eu exercia
atividades intelectuais nesse tempo, escrevia em jornais, comecei a publicar
livros em 1938, meu primeiro livro é de 1938. Inclusive meu primeiro livro é a
História da Literatura Brasileira – seus fundamentos materialistas, e o editor
botou a mão na cabeça e disse: “Materialista não pode.”, eu disse: “Então bota
econômico”. Então, saiu “seus fundamentos econômicos”, o que não era uma
verdade, reduzia a interpretação a um economicismo que era um falsear, mas foi
um artifício. Quer dizer, eu já tinha uma noção muito geral das coisas. De qualquer
forma eu não combatia o Estado Novo, se é isso que se coloca em questão, não
combatia, de maneira nenhuma. Não me chocou. Depois, no decorrer das coisas,
pelos fatos reais ocorridos, pelo que ocorreu no Exército, porque o Dutra
tornou-se um régulo. Só se fazia o que ele queria. Só se promoviam os seus
amigos. Seus amigos tinham tudo. Os que não eram seus amigos não tinham nada.
Eu não queria nada, mas queria que me deixasse sossegado. Mas, aquilo me
revoltava por que eu via outros chefes militares perseguidos e injustiçados,
passados para trás. Foi uma coisa terrível. O Exército sofreu muito com o
Estado Novo. Como as Forças Armadas, estão entre as grandes vítimas do regime
instaurado em 64. Elas são apresentadas geralmente como autoras,
corresponsáveis, e são, mas também são grandes vítimas, inclusive pelo seu
desprestígio perante o povo brasileiro. E isso é de recuperação muito difícil.
E os militares sabem disso.
ENTREVISTADORA – Quando começa a se fortalecer as forças de oposição civis
ao Estado Novo, começam a aparecer um Chateaubriand, com o Diário dos
Associados, a rádio, o Estado de São Paulo também pauta força, começa na
imprensa um...
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – Evidentemente, quando
o Estado Novo começa a se deteriorar, aí por causas externas, mas também por
causas internas, começam a surgir forças que o combatem, que preparam a sua
queda...
ENTREVISTADORA – A Faculdade de Direito de São Paulo...
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – A Faculdade de
Direito de São Paulo. O jornal do Estado de São Paulo já estava ocupado, mas
enquanto não foi ocupado, foi um foco de conspiração. Havia no Rio um jornal
chamado Diário de Notícias, do Orlando Dantas, que tinha uma posição, pode se
dizer decente, quer dizer, não fazia oposição, porque não podia, mas também não
compactuava, não fazia elogios. O Estado Novo criou um órgão chamado
Departamento de Imprensa e Propaganda, o famigerado DIP, que distribuía
matérias para os jornais, e os jornais todos publicavam aquela matéria. Era a
matéria favorável, das realizações do Estado Novo. Aliás, esse regime (de 64)
fez isso com a imprensa, com o rádio, e com a televisão, que foi muito pior.
Essa propaganda toda dava a ideia de um ambiente sem resistências. Na proporção
em que há aquela antinomia entre um regime que é fascista e nazista quando o
fascismo e o nazismo estão sendo combatidos pelas forças democráticas no mundo,
começa a surgir a resistência. Surge o célebre manifesto dos mineiros, assinado
por Magalhães Pinto, o Afonso Arenas, e os políticos mineiros mais destacados.
Depois começa a surgir resistência nos próprios jornais, mas muito tímidas. O
Chateaubriand não foi um resistente ao Estado Novo. Ele foi um aproveitador do
Estado Novo durante quase todo o tempo. E havia intelectuais que apoiavam o
Estado Novo. Getúlio era um homem que tratava muito bem dos intelectuais. Tinha
pruridos intelectuais. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Só teve
contra um voto. Do Afrânio Peixoto, que não era grande coisa como escritor, mas
teve esse gesto. O resto tudo votou nele. Então, ele realmente não encontrou
resistência. Na fase final começou a encontrar resistência. Mas, quem o depôs?
Foi a Força Armada. Foi uma conspiração militar, e foram os militares,
inclusive aqueles que o haviam levado ao poder, que o depuseram em 45. Por quê?
Porque ele achava que se devia abrir perspectivas para um processo de
redemocratização muito amplo, e as forças da conservadoras queriam a rédea
dessa mudança, como agora querem. Quer dizer, querem a transição para um outro
regime, mas conservando o comando dele. Esse processo é sempre difícil. O
Getúlio tentou ampliar, porque ele via grandes perspectivas no mundo novo, onde
inclusive a União Soviética emergia como uma grande potência. Era um mundo que
não podia ser igual ao mundo anterior, era um mundo de características novas.
Mas, as forças reacionárias é que conduziram aqui o processo de desmontagem do
Estado Novo. Conduziram o processo de destruição do Estado Novo, a medida das
suas necessidades, daquilo que desejavam. Montaram um regime de acordo com a
sua fisionomia, de acordo com aquilo que era do seu desejo, e dos seus
interesses. E elegeram Dutra, o condestável do Estado Novo.
ENTREVISTADOR – Quem era Getúlio Vargas?
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – Um homem de
extraordinária capacidade política, de grande inteligência, de grande
habilidade no trato dos homens. Capaz de adaptar-se às situações. Capaz de ter
uma visão política do processo. E sempre inclinado a seguir a ordem natural do
processo político, a não se contrapor ao processo político, mesmo quando a
reação era mais violenta, fora do quadro do Estado Novo, depois, no governo
dele de 50, um ditador que depois de apeado do poder por um golpe militar,
volta ao poder por um ato eleitoral, era uma coisa espantosa. Porque tinha
prestígio. Ele uma vez, como encontrou grandes resistências no seu governo dito
democrático, um governo normal, ele reuniu no apartamento de um amigo os
grandes representantes das áreas de resistência a eles, políticos, empresários,
etc., conversou com eles mostrando que a política que ele estava seguindo era
necessária para a manutenção dos interesses da burguesia. Eles não aceitaram,
então, no automóvel, ele disse para o ajudante de ordem dele, que depois contou
a um amigo, que depois me contou, “Eu quero salvá-los e eles não querem ser
salvos”. Então, era isso. Ele foi o grande condutor do processo de
desenvolvimento capitalista do país, da ascensão da burguesia. Foi o grande
líder que a burguesia produziu, dificilmente produzirá outro igual. Capaz de
tudo, inclusive de mandar a mulher do Prestes para um campo de concentração,
capaz de tolerar a repressão, e depois capaz de abrir amplamente, de não
discriminar. Então, capaz de seguir a ordem natural do processo político, que é
a habilidade que o político deve ter. Não pode se contrapor.
ENTREVISTADOR – Qual era a meta dele?
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – O poder.
ENTREVISTADORA – O papel do Agamenon Magalhães como articulador do golpe,
como é que o senhor vê?
SR. NELSON WERNECK SODRÉ – Um grande
articulador. Um hábil político. Um homem importante nessas jogadas todas,
inclusive autor, já em 45, no ramo descendente do Estado Novo, o Agamenon
propôs a chamada lei contra os monopólios. Que o Chateaubriand apelidou de “lei
malaia”, porque ele chamava o Agamenon de “Malaio”, porque o Agamenon tinha uma
fisionomia mongol. Essa “lei malaia” que não chegou a ser apresentada, não
passou de projeto, ela estabelecia restrições ao agrupamento, à monopolização
econômica. Evidentemente, as forças reacionárias se contrapunham violentamente
a isso. Dessas iniciativas do Getúlio para uma nova etapa na vida brasileira
que ele não conseguiu realizar.
FIM DA FALA DO
ENTREVISTADO EM 34 MIN E 34 SEG
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