3. UNIÃO DAS FORÇAS NACIONALISTAS DEMOCRÁTICAS NO ONZE DE NOVEMBRO

 

UNIÃO DAS FORÇAS NACIONALISTAS DEMOCRÁTICAS NO ONZE DE NOVEMBRO

 

GENERAL LOTT, RESPONSÁVEL PELA PRESERVAÇÃO DA DEMOCRACIA



 

QUE A EXPERIÊNCIA RELATADA NO TEXTO A SEGUIR NOS ALERTE PARA A IMPORTÂNCIA DA UNIÃO DAS FORÇAS NACIONALISTAS DEMOCRÁTICAS!



“Em abril de 1955, voltamos definitivamente ao Rio e meu pai, Nelson Werneck Sodré, se preparava para servir com o chefe do Estado Maior do Exército (EME), o general nacionalista Newton Estillac Leal[1], quando esse notável militar veio a falecer subitamente, no Rio de Janeiro, no dia 1º de maio de 1955. Foi um momento crucial, no qual ele teve que, de público e diante das mais altas testemunhas militares, tomar partido numa ferrenha luta, que foi dura e se agravou ao longo de todo o período dos anos cinquenta/ sessenta até culminar no golpe de 1964 e na implantação da ditadura.

No contexto dessa grande perda para o país e para ele, alguns dias apenas após nossa chegada ao Rio, meu pai teve, portanto, que enfrentar o delicado problema de pronunciar, no túmulo desse general nacionalista, as palavras de despedida de seus companheiros. Sabendo que uma conspiração já estava sendo articulada dentro do governo, tinha Nelson Werneck Sodré que encarar a delicada tarefa de fazer a defesa da ordem legal, na presença das duas figuras militares que se opunham em torno dessa questão: a do Ministro da Guerra (atualmente denominado Ministro do Exército), General Henrique Teixeira Lott[2] e a do Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Eduardo Gomes. O primeiro, que tinha posições marcadamente legalistas e democráticas, coordenava com dificuldades as forças de defesa da ordem legal; enquanto o segundo estava à frente das forças que não aceitavam a posse dos eleitos e conspiravam contra ela. Assim sendo, já em 1955, as forças militares estavam divididas entre aqueles que, tendo o general Lott à frente, defendiam a democracia e a vontade popular e os que não as aceitavam e se insurgiam contra elas.

Ainda em novembro de 1955, o grupo de conspiradores articulou um golpe militar para evitar a posse de Juscelino Kubitschek e Jango Goulart, após terem estes obtido a maior votação no pleito de 3 de outubro de 1955. Nelson Werneck Sodré, então na Diretoria Cultural do Clube Militar, participou ativamente com o grupo de militares nacionalistas, liderado pelo Ministro da Guerra General Lott, para que o resultado da eleição fosse cumprido e os eleitos pelo voto popular assumissem a Presidência da República[3]. Só quem viveu e acompanhou de perto esse processo de luta pelo desenvolvimento brasileiro sabe como foram duros os embates dos grupos em conflito, e como eles atingiram duramente aqueles que defendiam os interesses populares e nacionalistas, como Nelson Werneck Sodré.

O ano de 1955 ficou profundamente marcado em minha história pessoal e de minha família não apenas em função de nosso retorno ao Rio de Janeiro, mas, sobretudo pelo papel desempenhado por Nelson Werneck Sodré num dos mais contundentes episódios da História nacional: os acontecimentos que precederam e culminaram no movimento de 11 de novembro. Esse movimento foi decisivo para a existência do período democrático seguinte; assim como para a possibilidade da atividade intelectual, política e cultural realizada no ISEB. Já tendo chegado aos 14 anos de idade e em plena adolescência, eu acompanhava de perto com grande interesse os relatos diários de meu pai sobre o aguçamento crescente da luta política entre as duas frentes de combate colocadas no tabuleiro político[4]. Elas eram denominadas em função de suas bandeiras políticas e econômicas: os que defendiam o governo constituído e a livre realização das eleições democráticas eram chamados “legalistas ou nacionalistas” e os que a isso se opunham eram acusados de serem “golpistas ou entreguistas”. Como tais denominações indicam, essas duas frentes se confrontavam no cenário político da época não apenas a respeito do tipo de governo proposto, mas também a respeito do tipo de desenvolvimento e dos interesses econômicos que eram defendidos por cada uma delas.

 No início de 1955, um Movimento Militar Constitucionalista (MMC) tinha sido articulado no interior do Exército com alguma penetração na Marinha e na Aeronáutica, tendo como objetivo garantir o pleito de 3 de outubro e a subsequente posse dos candidatos eleitos, fossem eles quem fossem.  Eles eram, portanto, opostos aos “golpistas” da ala radical da UDN. É interessante observar que esse partido, a UDN[5], levantava bandeiras que têm muito em comum com o que é ainda hoje proposto no atual cenário político nacional, o que evidencia a persistência de sua base social de apoio até os nossos dias. A ala radical da UDN era liderada pelo jornalista e político Carlos de Lacerda e pelos parlamentares do Clube da Lanterna por ele fundado, cujas propostas continuam ainda a ecoar [6]. Mantenho viva a memória desse combate titânico, na esperança de ver se multiplicarem novamente vozes alçadas em defesa dos ideais de justiça e desenvolvimento social para todos os brasileiros.  

 Daí a importância de refletirmos sobre os fatos históricos e analisarmos o combate de uma época que tornou possível o avanço democrático. Os militares legalistas haviam conseguido garantir as eleições de 3 de outubro de 1955 que consagraram Juscelino Kubitschek e Jango Goulart  como vencedores, mas os conflitos prosseguiam e os opositores continuavam a batalha no campo judicial visando anular as eleições e impedir a proclamação e a posse dos candidatos virtualmente eleitos; enquanto que, na imprensa, Carlos Lacerda exigia a intervenção dos militares[7]. Esse golpe teria acontecido, se ele não tivesse sido impedido pelo movimento de 11 de novembro. Ao longo de toda a noite anterior ao desencadeamento desse movimento, permaneci acordada escutando atentamente as inúmeras conversas telefônicas de meu pai, tentando mobilizar os seus contatos para impedir esse golpe, em particular junto ao general Odílio Denis, comandante da Zona Militar Leste (hoje I Exército) com sede no Rio[8].

Essa tentativa passava pela manobra de levar o General Lott à demissão do Ministério da Guerra com o objetivo de desarticular as forças militares contrárias aos golpistas.  Os comandantes militares que apoiavam o Ministro estavam preocupados com as consequências da notícia dessa demissão nos círculos militares e políticos ligados a Juscelino. Assim sendo, o general Odílio Denis foi pessoalmente a casa dele alertando-o sobre a crise que sua demissão provocaria no Exército[9]. O general Lott prometeu refletir sobre os rumos a tomar, e a uma hora da manhã do dia 11 de novembro, ele telefonou para o general Denis, comunicando-lhe estar disposto a agir. Em seguida, o Ministro, os comandantes das zonas militares do Leste e do Centro e outros oficiais seguiram para o Ministério da Guerra, onde foi centralizado o comando das operações militares. O acesso ao Palácio do Catete foi interditado; foram ocupados os quartéis de polícia, o jornal Tribuna da Imprensa, a sede do Clube da Lanterna e a sede da companhia telefônica; e foram controladas as operações de telégrafo.

Às seis horas da manhã de 11 de novembro de 1955, o general Lott, chefe desse movimento, expediu uma declaração aos chefes dos estados-maiores dos principais comandos do país, objetivando o retorno da situação aos quadros normais do regime constitucional vigente, que foi transmitida diretamente por rádio, radiofonia e telefone.  Logo após sua deflagração, o movimento de 11 de novembro ganhou numerosas adesões[10]. O brigadeiro Eduardo Gomes, líder dos defensores do golpe, pretendia organizar em São Paulo a resistência ao movimento militar chefiado por Lott, mas os líderes do movimento vitorioso receberam declarações de apoio de diversos governadores estaduais, em particular do governador Jânio Quadros de São Paulo, das duas principais organizações empresariais do país[11] e de dirigentes sindicais. Desse modo, esse movimento conseguiu congraçar militares e civis em defesa da democracia, revelando assim uma diferença fundamental (e sobre a qual deveríamos refletir) com o contexto político brasileiro que vivemos nos últimos anos.”

CITAÇÃO RETIRADA DO CAPÍTULO 7 (“NASCIMENTO DE UM PROJETO DE NAÇÃO”) DO MEU LIVRO “ODISSEIA DE UM GENERAL DO POVO E SUA GERAÇÃO INTELECTUAL” LANÇADO PELA EDITORA PACO, EM 2019.

 Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/11/06/ha-60-anos-crise-fez-brasil-ter-3-presidentes-numa-unica-semana

[1] Newton Estillac Leal (nascido e falecido no Rio de Janeiro: seis de outubro de 1893 - 1 de maio de 1955) foi presidente do Clube Militar, defensor de posições nacionalistas (como o monopólio estatal do petróleo)  e Ministro da Guerra do Governo constitucional de Getúlio Vargas entre 31 de janeiro de 1951 e 26 de março de 1952.

[2] Em 1954, quando o vice-presidente João Café Filho tomou posse na presidência da República, no dia do suicídio do Presidente Vargas, ele escolheu o general Lott para ocupar o Ministério da Guerra.

[3] O movimento golpista continuou, entretanto, vivo e atuante e essa defesa da ordem e da legalidade feita pelos militares nacionalistas desagradava profundamente à oposição ao governo Kubitschek. Assim sendo, os militares nacionalistas, entre eles o General Lott e Nelson Werneck Sodré, tiveram ainda que enfrentar pesados ataques da imprensa oposicionista, como é relatado por meu pai em vários de seus livros.

[4] Os heróis de minha adolescência eram os personagens de carne e osso que enfrentavam esse árduo combate nacionalista e democrático da odisseia brasileira pelo desenvolvimento de nosso país.

[5] A União Democrática Nacional (UDN) era um partido político que se caracterizava pela defesa do liberalismo econômico e da moralidade, pela forte oposição ao populismo de Vargas, pela abertura econômica ao capital estrangeiro e pelo apoio à influência norte-americana. A UDN concorreu nas eleições presidenciais de 1945, 1950 e 1955, tendo como candidatos o brigadeiro Eduardo Gomes nas duas primeiras e o general Juarez Távora na última. Esses candidatos perderam a concorrência nas três ocasiões. Na eleição de 1960, a UDN obteve uma vitória apoiando um candidato não filiado a esse partido, o Presidente Jânio Quadros, que não conseguiu eleger o candidato a vice-presidente de sua chapa, Milton Campos (naquela época votava-se separadamente para presidente e vice). Quem se elegeu para vice-presidente foi João Goulart do PTB, que tomou posse guando Jânio renunciou.

[6] Esse grupo propunha abertamente o golpe militar, a instituição do parlamentarismo, a extinção dos partidos políticos menores, a promulgação de nova lei eleitoral, a revisão da política do petróleo e a cessão do direito de pesquisa ao capital privado estrangeiro. 

[7] No editorial da Tribuna da Imprensa de 4 de novembro de 1955, intitulado “A hora das forças armadas”, ele afirmava estar próxima a hora da implantação de um “novo regime” a cargo dos militares. No dia 5 de novembro, circula então, em diversas unidades militares, um boletim do MMC denunciando a iminência de um golpe de Estado. Carlos de Lacerda foi um dos civis responsáveis pelo golpe civil-militar de 1964, que acabou se voltando contra ele a partir de 1966. Em dezembro de 1968, ele foi também cassado pelo regime militar e levado preso.

[8] Lembro-me nitidamente dos fatos que se desencadearam em torno desse acontecimento, pois eles ficaram profundamente marcados em minha memória e no meu coração pela importância que tiveram para o destino da democracia no país.

[9] Após informa-lo de que a Marinha e a Aeronáutica encontravam-se de prontidão, assim como guarnição do Exército no Rio de Janeiro, então capital do país, o general Odílio Denis foi para sua residência oficial que era vizinha à residência do General Lott, e, enquanto esperava a resposta do Ministro da Guerra, realizou uma reunião às 22 horas, congregando dez generais comandantes das guarnições do Distrito Federal, além do comandante da Zona Militar Centro (atual II Exército), com sede em São Paulo, que se encontrava de passagem pelo Rio. Nessa reunião, foi decidido que os generais tomariam os postos-chaves da capital e forçariam o governo a respeitar a disciplina militar. Enquanto isso, na área parlamentar, diversos congressistas favoráveis à posse dos eleitos também se reuniram para apoiar esse movimento. 

[10] Compareceram ao Ministério da Guerra Nereu Ramos, vice-presidente do Senado, Flores da Cunha, presidente em exercício da Câmara dos Deputados, o marechal Mascarenhas de Morais e os generais Aristóteles Sousa Dantas, comandante de a Zona Militar Norte (hoje IV Exército), e Nélson de Melo, comandante da Infantaria Divisionária de Ponta Grossa (PR).

[11] A Confederação Nacional da Indústria e a Confederação Nacional do Comércio.

TEXTO POSTADO NO FACEBOOK EM 11 DE NOVEMBRO DE 2020. 

PARA VER NO FACEBOOK: 

https://www.facebook.com/centrodeestudos.brasileiros/posts/3487299771350295

COMENTÁRIOS NO FACEBOOK


Regina Marchese

Excelente artigo. Muito esclarecedor.

Léo Camargo

Nossa, Olga!!! Que história do Nelson sensacional

Sergio Caldieri

Brilhante amiga , Olga Sodré!!! Não temos mais militares como antigamente! Nosso general do povo Nelson Werneck Sodré foi o maior exemplo como militar nacionalista, na literatura e cultura!

José Antônio Simões

Excelente.

Maria Da Gloria

Maravilhoso.

LUCIA H VIEIRA

 EXCELENTE Artigo de Olga Sodré, sobre os verdadeiros militares nacionalistas, que está fazendo muita falta ao Brasil.


COMENTÁRIOS PELO WHATSAPP

MARCOS SABER:

Olá Querida Olga!

Que pai maravilhoso e exemplar que você teve!!!!

Bonito o seu relato!

Que dia 15 agora, o povo brasileiro possa se conscientizar da necessidade de um bom e pensado voto.

COMENTÁRIOS POR EMAIL

Angela Arruda

seg., 9 de nov. 11:44 (há 12 dias)
muito bom, amiga. Passo adiante.
Como vai você?
bj

Comentários

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