4. DEPOIMENTO DO ESCRITOR FLÁVIO AGUIAR SOBRE NELSON WERNECK SODRÉ

 

DEPOIMENTO DO ESCRITOR FLÁVIO AGUIAR SOBRE NELSON WERNECK SODRÉ


FOTO DE FLÁVIO AGUIAR EM SÃO PETERSBURGO

Crédito da Foto:  Zinka Ziebell, professora da Universidade Livre de Berlim)

 


     Na manhã de 12 de novembro deste ano, fiquei surpresa ao encontrar em minha correspondência do grupo "DESAFIOS PARA O BRASIL DO SÉCULO XXI" um e-mail a respeito de texto que publiquei no dia anterior, “União do nacionalismo democrático no onze de novembro”. Ele era enviado ao grupo por Flávio Wolf de Aguiar, um escritor que muito admiro e com o qual não tinha um contato pessoal.

Flávio Aguiar, nascido em Porto Alegre (1947), vive atualmente em Berlim, onde trabalha como correspondente de publicações brasileiras, impressas ou na internet. Faz também reportagens para a televisão e rádio. Para mim, ele é um expoente de um tipo de “intelectualidade” que está desaparecendo com a implantação da época dos especialistas. Embora sendo de uma geração posterior a Nelson Werneck Sodré - como ele próprio diz, em seu depoimento – acho que os dois têm raízes comuns na intelectualidade brasileira anterior ao atual fracionamento do conhecimento.

Ele é um intelectual com uma vasta cultura capaz de ter uma visão abrangente da realidade, podendo exercer o ofício de escritor, jornalista e professor, usando diferentes instrumentos e tipos de linguagem: Flávio Aguiar é, ao mesmo tempo, jornalista, autor, tradutor, organizador e colaborador de dezenas de livros[1] .  Graduado em Letras (1970) pela USP, ele é mestre (1974) e doutor (1979) em Teoria Literária e Literatura Comparada, tendo ensinado literatura brasileira na USP (1973 - 2006) e orientado mais de quarenta teses e dissertações de doutorado e mestrado.

Para melhor apreciar o depoimento de Flávio Aguiar sobre Nelson Werneck Sodré, a seguir, é importante ressaltar sua atuação no jornal Movimento. Na época do encontro dos dois, Flávio era o editor de cultura deste jornal, criado no período da ditadura militar. O pano de fundo do encontro deles é esse contexto histórico, e lhe dá um profundo significado. A história desse periódico é fundamental para a análise da questão da liberdade de imprensa na ditadura, da ação da intelectualidade brasileira e do modo de ação dos grupos de direita, neste período.

A análise desta história nos transmite valiosas lições para o momento atual.  Lançado em julho de 1975, durante a presidência do general Ernesto Geisel, este jornal se tornou, juntamente com os jornais Opinião e Pasquim, uma   importante publicação da imprensa alternativa, reunindo intelectuais brasileiros de oposição ao regime. O jornal Movimento circulou regularmente até 1980 apoiado em movimentos populares. Com o recrudescimento dos conflitos sociais e o aumento da pressão pelo retorno à democracia, começaram, entretanto, a ocorrer ameaças e atentados por parte de setores da extrema direita contra bancas de jornal que divulgavam os jornais alternativos em São Paulo, Londrina, Rio de Janeiro, Goiânia e Salvador. 

Embora no jornal Movimento escrevessem intelectuais pertencendo a diferentes tendências políticas, como é o caso de Fernando Henrique Cardoso e Nelson Werneck Sodré, os jornaleiros passaram a serem acusados de fazer "propaganda do comunismo" apenas pelo fato de venderem jornais da imprensa de oposição. Multiplicaram-se as mensagens anônimas com essas acusações, e começaram a ocorrer incêndios de várias bancas de jornal. Os jornaleiros aterrorizados deixaram, então, de vender os jornais alternativos, provocando o fim da circulação do jornal Movimento, em 1981. 

Acompanho diariamente os textos de Flávio Aguiar publicados no grupo DESAFIOS, sempre com curiosidade e gosto, pois eles me remetem à atmosfera intelectual que muito me encantou quando estive em Berlim, e que não mais existe. Contudo, nunca nós nos havíamos comunicado pessoalmente, antes dessa ocasião. O primeiro e-mail que ele enviou sobre meu texto a respeito do onze de novembro não se dirigia diretamente a mim, mas ao grupo. Nele Flávio Aguiar iniciava escrevendo:

Interessante mensagem de Olga Sodré, filha do Gen. Nelson Werneck Sodré, sobre os acontecimentos de novembro de 1955, quando uma articulação de extrema-direita tentou impedir a posse de Juscelino e Jango, eleitos para a presidência e vice, respectivamente”.

Ele, então, complementa meu relato com informações testemunhos e afirmações a respeito desses acontecimentos. Foi assim aberta a porta para um diálogo, o que me motivou a logo lhe escrever, agradecendo timidamente suas considerações. Não esperava resposta, e por isso fiquei gratamente surpresa ao receber o delicioso relato a seguir:

Cara Olga

Obrigado por seu generoso comentário. Devo dizer que me lembro dos acontecimentos de 1955 como se fosse hoje, embora eu fosse muito criança, ainda. Meu pai e minha mãe acompanhavam tudo...

Sabe de uma coisa curiosa? Eu encontrei seu pai, uma única vez, em seu apartamento, no Rio de Janeiro, no fim de 1974 ou começo de 1975. O jornal Movimento acabara de ser fundado em São Paulo, e eu era seu novo (novíssimo, aliás, eu tinha 27 anos) editor de Cultura. E fui ao Rio, a pedido do Redator-Chefe, Raimundo Pereira, para entrevistar seu pai, pedindo a opinião dele sobre como se deveria orientar uma editoria de Cultura naquele momento. Cheguei às dez horas da manhã no apê[2]  onde ele morava, e fui surpreendido (confesso) quando ele me ofereceu uma tacinha de vermute branco (àquela hora!), embora ele não tenha me acompanhado, porque eu aceitei. Tivemos uma conversa muito agradável, que durou umas duas horas, e ele me deu conselhos muito valiosos. Claro, havia uma diferença de gerações entre nós; não concordei com algumas coisas que ele me falava, mas me ficou na lembrança seu empenho por uma democratização do acesso aos espaços culturais tradicionais e por uma valorização do que se chamava de uma “cultura popular” na época, cujo sentido então era um pouco diferente do de hoje.

Quando me despedi, foi com a sensação de que eu encontrara ao vivo e a cores um pouco da história do nosso país.

Inesquecível.

Grande abraço

Flávio.

Como estou, exatamente neste momento, organizando um novo Blogue para manter viva a memória de Nelson Werneck Sodré por meio de testemunhos e relatos a seu respeito, logo me ocorreu solicitar a autorização de Flávio Aguiar para colocar seu depoimento nesse Blog. Um pouco receosa a respeito da oportunidade do meu pedido, ousei enviar-lhe minha proposta, e ainda mais pedir uma foto para ilustrar seu texto.

No dia 13 de novembro recebi a seguinte resposta por e-mail:

Cara Olga 

Claro que aceito seu convite, e fico muito honrado por ele.

Quanto à foto, se você achar que alguma do Movimento é conveniente, use-a. Em todo caso, envio uma mais atual. Fique à vontade para escolher. E parabéns pela iniciativa.

Abraços, Flavio.”



[1] Tem mais de trinta livros publicados como autor, coautor ou organizador, na área de crítica literária, ficção e poesia, no Brasil e no exterior (França, Itália e Canadá). Ganhou quatro vezes o renomado Prêmio Jabuti de Literatura, outorgado pela Câmara Brasileira do Livro.

[2] Forma abreviada da palavra apartamento na linguagem coloquial. 

 ESTE TEXTO FOI PUBLICADO NO FACEBOOK EM 17 DE OUTUBRO DE 2020. PARA VER NO FACE:

 https://www.facebook.com/centrodeestudos.brasileiros/posts/3503982259682046

COMENTÁRIOS RECEBIDOS POR EMAIL

FLÁVIO AGUIAR

Cara Olga

Fiquei comovido diante de sua generosidade e pela lembrança do encontro com seu pai.

LUÍS ROBERTO DE FRANCISCO:

Caríssima, que belo depoimento. 

Obrigado por compartilhar.

Feliz NWS, cuja filha não se cansa de manter viva a sua memória!!!
grande abraço
luís 

COMENTÁRIOS RECEBIDOS PELO WHATSAPP

MARCOS SABER:

Boa Noite minha querida amiga🤗

Como faz bem ao coração e ao espírito quando recebemos um comentário de nosso trabalho,  como foi o caso do Flávio  amigo de seu pai e também seu.

Fruto de mais  uma bela obra que você está fazendo para o seu querido pai.

 Sucesso  no novo blog!!!! 




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

20. UM EXÍMIO MESTRE E EDUCADOR BRASILEIRO

27.DIFERENTES INTERPRETAÇÕES DO MARXISMO

17. SOPRO DA VIDA E SEMENTES DA NATUREZA E DA CULTURA