4. DEPOIMENTO DO ESCRITOR FLÁVIO AGUIAR SOBRE NELSON WERNECK SODRÉ
DEPOIMENTO DO ESCRITOR FLÁVIO AGUIAR SOBRE NELSON WERNECK SODRÉ
FOTO DE FLÁVIO AGUIAR EM SÃO PETERSBURGO
( Crédito da Foto: Zinka Ziebell, professora da Universidade Livre de Berlim)
Flávio
Aguiar, nascido em Porto Alegre (1947), vive atualmente em Berlim,
onde trabalha como correspondente de publicações brasileiras, impressas ou
na internet. Faz também reportagens para a televisão e rádio. Para mim, ele é um
expoente de um tipo de “intelectualidade” que está desaparecendo com a
implantação da época dos especialistas. Embora
sendo de uma geração posterior a Nelson Werneck Sodré - como ele próprio diz,
em seu depoimento – acho que os dois têm raízes comuns na intelectualidade
brasileira anterior ao atual fracionamento do conhecimento.
Ele é um
intelectual com uma vasta cultura capaz de ter uma visão abrangente da
realidade, podendo exercer o ofício de escritor, jornalista e professor, usando
diferentes instrumentos e tipos de linguagem: Flávio Aguiar é, ao mesmo tempo, jornalista, autor, tradutor, organizador e colaborador de
dezenas de livros[1] . Graduado em Letras (1970) pela
USP, ele é mestre (1974) e doutor (1979) em Teoria Literária e Literatura
Comparada, tendo ensinado literatura brasileira na USP (1973 - 2006) e
orientado mais de quarenta teses e dissertações de doutorado e mestrado.
Para melhor
apreciar o depoimento de Flávio Aguiar sobre Nelson Werneck Sodré, a seguir, é
importante ressaltar sua atuação no jornal Movimento. Na época do encontro
dos dois, Flávio era o editor de cultura deste jornal, criado no período da
ditadura militar. O pano de fundo do encontro deles é esse contexto histórico,
e lhe dá um profundo significado. A história desse periódico é fundamental para
a análise da questão da liberdade de imprensa na ditadura, da ação da
intelectualidade brasileira e do modo de ação dos grupos de direita, neste
período.
A análise desta
história nos transmite valiosas lições para o momento atual. Lançado
em julho de 1975, durante a presidência do general Ernesto Geisel, este
jornal se tornou, juntamente com os jornais Opinião e Pasquim, uma
importante publicação da imprensa alternativa, reunindo intelectuais
brasileiros de oposição ao regime. O jornal Movimento circulou
regularmente até 1980 apoiado em movimentos
populares. Com o recrudescimento dos conflitos sociais e o aumento da pressão
pelo retorno à democracia, começaram, entretanto, a ocorrer ameaças e atentados
por parte de setores da extrema direita contra bancas de jornal que divulgavam
os jornais alternativos em São Paulo, Londrina, Rio de Janeiro, Goiânia
e Salvador.
Embora
no jornal Movimento escrevessem intelectuais pertencendo a diferentes tendências políticas, como é o caso de
Fernando Henrique Cardoso e Nelson Werneck Sodré, os jornaleiros passaram a serem acusados de fazer "propaganda do
comunismo" apenas pelo fato de venderem jornais da imprensa de oposição.
Multiplicaram-se as mensagens anônimas com essas acusações, e começaram a
ocorrer incêndios de várias bancas de jornal. Os jornaleiros aterrorizados
deixaram, então, de vender os jornais alternativos, provocando o fim da
circulação do jornal Movimento, em 1981.
Acompanho diariamente os textos de
Flávio Aguiar publicados no grupo DESAFIOS, sempre com curiosidade e gosto,
pois eles me remetem à atmosfera intelectual que muito me encantou quando
estive em Berlim, e que não mais existe. Contudo, nunca nós nos havíamos
comunicado pessoalmente, antes dessa ocasião. O primeiro e-mail que ele enviou
sobre meu texto a respeito do onze de novembro não se dirigia diretamente a
mim, mas ao grupo. Nele Flávio Aguiar iniciava escrevendo:
“Interessante mensagem de Olga
Sodré, filha do Gen. Nelson Werneck Sodré, sobre os acontecimentos de novembro
de 1955, quando uma articulação de extrema-direita tentou impedir a posse
de Juscelino e Jango, eleitos para a presidência e vice, respectivamente”.
Ele, então, complementa meu relato
com informações testemunhos e afirmações a respeito desses acontecimentos. Foi
assim aberta a porta para um diálogo, o que me motivou a logo lhe escrever, agradecendo
timidamente suas considerações. Não esperava resposta, e por isso fiquei
gratamente surpresa ao receber o delicioso relato a seguir:
“Cara Olga
Obrigado por seu generoso comentário.
Devo dizer que me lembro dos acontecimentos de 1955 como se fosse hoje, embora
eu fosse muito criança, ainda. Meu pai e minha mãe acompanhavam tudo...
Sabe de uma coisa curiosa? Eu
encontrei seu pai, uma única vez, em seu apartamento, no Rio de Janeiro, no fim
de 1974 ou começo de 1975. O jornal Movimento acabara de ser fundado em São
Paulo, e eu era seu novo (novíssimo, aliás, eu tinha 27 anos) editor de
Cultura. E fui ao Rio, a pedido do Redator-Chefe, Raimundo Pereira,
para entrevistar seu pai, pedindo a opinião dele sobre como se deveria
orientar uma editoria de Cultura naquele momento. Cheguei às dez horas da
manhã no apê[2] onde ele
morava, e fui surpreendido (confesso) quando ele me ofereceu
uma tacinha de vermute branco (àquela hora!), embora ele não tenha me
acompanhado, porque eu aceitei. Tivemos uma conversa muito agradável, que durou
umas duas horas, e ele me deu conselhos muito valiosos. Claro, havia uma
diferença de gerações entre nós; não concordei com algumas coisas que ele me
falava, mas me ficou na lembrança seu empenho por uma democratização do acesso
aos espaços culturais tradicionais e por uma valorização do que se chamava de
uma “cultura popular” na época, cujo sentido então era um pouco diferente
do de hoje.
Quando me despedi, foi com a
sensação de que eu encontrara ao vivo e a cores um pouco da história do nosso
país.
Inesquecível.
Grande abraço
Flávio.”
Como estou, exatamente neste momento,
organizando um novo Blogue para manter viva a memória de Nelson Werneck Sodré por
meio de testemunhos e relatos a seu respeito, logo me ocorreu solicitar
a autorização de Flávio Aguiar para colocar seu depoimento nesse Blog. Um
pouco receosa a respeito da oportunidade do meu pedido, ousei enviar-lhe minha
proposta, e ainda mais pedir uma foto para ilustrar seu texto.
No dia 13 de novembro recebi a
seguinte resposta por e-mail:
“Cara Olga
Claro que aceito seu convite, e fico
muito honrado por ele.
Quanto à foto, se você achar que
alguma do Movimento é conveniente, use-a. Em todo caso, envio uma mais atual.
Fique à vontade para escolher. E parabéns pela iniciativa.
Abraços, Flavio.”
[1]
Tem mais de trinta livros publicados
como autor, coautor ou organizador, na área de crítica literária, ficção e
poesia, no Brasil e no exterior (França, Itália e Canadá). Ganhou quatro vezes o renomado Prêmio Jabuti de
Literatura, outorgado pela Câmara Brasileira do Livro.
[2] Forma abreviada da palavra apartamento na linguagem coloquial.
ESTE TEXTO FOI PUBLICADO NO FACEBOOK EM 17 DE OUTUBRO DE 2020. PARA VER NO FACE:
https://www.facebook.com/centrodeestudos.brasileiros/posts/3503982259682046
COMENTÁRIOS RECEBIDOS POR EMAIL
FLÁVIO AGUIAR
Cara Olga
Fiquei comovido diante de sua
generosidade e pela lembrança do encontro com seu pai.
LUÍS ROBERTO DE FRANCISCO:
Caríssima, que belo depoimento.
Obrigado por compartilhar.
COMENTÁRIOS RECEBIDOS PELO WHATSAPP
MARCOS SABER:
Boa Noite minha querida amiga🤗
Como faz bem ao coração e ao espírito quando recebemos um comentário de nosso trabalho, como foi o caso do Flávio amigo de seu pai e também seu.
Fruto de mais uma bela obra que você está fazendo para o seu querido pai.
Sucesso no novo blog!!!!
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